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Pai também é gente, saudades do meu

Meu pai morreu semana retrasada, faltando 12 dias para seu aniversário, que seria hoje. A ficha não caiu rápido pra mim, só quando eu vi ele estirado no caixão é que chorei, embora soubesse da notícia 12 horas antes.

Foto minha, com meu pai e com meu filho.

Fiquei sabendo pela minha namorada, que foi a minha casa e me contou, pois eu havia deixado o celular no Modo Avião pra dormir sossegado. Fui o único que dormiu sossegado no dia 22 de fevereiro de 2016. Vou divagar um pouco: nesse mesmo dia, fez 8 anos da morte do meu avô, por parte materna. E mais: quando meu vô por parte paterna morreu, meu pai tinha a minha idade. Coincidências...

Eu não me dava bem com ele, nós dois pensamos diferentes, mas temos o mesmo gênio: impulsivos, explosivos, hiperativos. Pensávamos. Tínhamos. Ainda me confundo com os tempos verbais, porque a ficha caiu, mas tem um monte ainda pra cair.

Acho fácil aceitar o diferente, mas o que é igual a mim me incomoda. Por isso que ele e meu filho são as pessoas que conseguem me desestruturar mais facilmente. Eu cobrava um ser humano exemplar do meu pai, esquecendo que ele é humano e tem defeitos como todo mundo. Ele trabalhava demais, era estressado, aprontava com minha mãe, xingava as pessoas quando algo não era do jeito dele, bebia bastante (mesmo tomando remédio)... A morte dele não me fez esquecer isso...

Foto de um desenho que meu pai fez num caderno dele de 8ª série, com naves, vulcões e meteoros.
Desenho num caderno dele da 8ª série
Por outro lado, me fez perceber ele como outro, uma pessoa, não um ideal. Alguém que rabiscava nos cadernos da escola com desenhos de naves espaciais fugindo de asteróides (que, inclusive, tinha versos melosos nesse mesmo caderno), alguém que gostava de zoar com amigos, alguém que se preocupava com os filhos, mas não sabia expressar seus sentimentos, alguém que queria crescer, alguém que não deixava a família passar necessidade, alguém que ainda pequeno entregava jornal pra conseguir seu dinheiro pra comprar figurinhas.

Última foto minha com ele
A morte dele me fez lembrar das vezes que pedalávamos juntos por estradas longas quando eu era pequeno, de quando a gente passeava com nosso pastor alemão pelo bairro, de quando ele me deu um Super Nintendo no aniversário de 6 anos, aquele que me deu uma guitarra graças a qual entrei numa banda punk, aquele que me levou pro hospital quando fiz merda, aquele que, em nosso último fim de semana juntos, tentou me arrastar pra lanchonete, quando eu só queria ficar no meu quarto lendo. Agora queria ter ido, mesmo que fosse pra ouvir ele fazendo piada tosca, enchendo o saco, me provocando. Mas o que passou, passou.

Eu não acredito em Deus nem em outras vidas, Gostaria que existisse, pedir desculpas por ser um filho que deu tanto trabalho e foi tão chato com ele, mas acho que se existissem outras vidas e o reencontrasse, a única coisa que faria ao vê-lo seria zoar e falar alguma besteira. Era o nosso jeito de demonstrar afeto.

Se de pequeno o idealizava e de adolescente o culpava por tudo, quando me tornei pai, fui me equilibrando. Não deu pra curtir muito essa fase mais moderada, o infarto não marca horário nem nos prepara. Hoje é o primeiro aniversário dele sem sua presença. E minha comemoração é tirar esses pensamentos do peito e colocar aqui, para elaborá-los melhor.

Obrigado a todos que me acompanham, aos que me mandaram mensagens no meu Facebook ou Whatsapp e aos que estiveram no velório/enterro.

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
[...]
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?